Assim como em quase todos os meus textos eu busco definições e citações de pessoas conhecidas ou do próprio dicionário para destrinchar o real significado de algo. Apesar da arte e da política ser algo visível e vivido quase 100% do tempo, acredito que nem todos entendem por compreensão, mas só pela convenção de se conviver com os dois.
Política (de acordo com o dicionário e com a Câmara de Deputados)
A arte de negociações, a ciência da governança, o processo de tomada de decisões, a organização da sociedade, a busca por um bem comum, a resolução de conflitos, etc. A política expressa todos os aspectos da vida em sociedade.
Arte (de acordo com o dicionário)
Comunicação, criatividade, manifestações artísticas, expressão, interpretação, estética, etc. A arte é uma atividade humana multifacetada, refletindo a diversidade da experiência humana e a riqueza de culturas.
Acredito que a partir daí, você já consegue perceber uma ligação, certo? Mas bem, estamos só no começo…
A arte está em praticamente tudo, na forma de se expressar, nas roupas que veste, na música que escuta e até mesmo no texto que está lendo nesse exato momento, assim como a política está nas mesmas coisas… Se a política é também uma forma de manifestação coletiva para um bem comum, ou de toda a sociedade, o que difere ela da arte? na verdade são poucas coisas.
A linha bem tênue entre a arte e a política é exatamente na forma de expressão. A arte pode atingir toda uma sociedade, um grupo especifico ou até (mesmo que raramente) uma única pessoa, no entanto a arte pode vir em formas coloridas, disfarçadas em versões acústicas ou de forma gratuita. A política não vem assim tão bonitinha. A política vem entre os meios da arte, nos pequenos becos das manifestações, em mortes todos os dias, problemas judiciários ou disfarçadas nos noticiários.
Camisas do Che Guevara, MPB e as músicas de protesto, Street Art, o nascimento do jazz e do rap, Pop Art, Surrealismo… de Bansky à Frida Kahlo. Tudo tem política, em sua forma mais direta. Mas eu não quero peneirar a arte, eu quero ser generalista mesmo. Não tô falando de artes óbvias, onde está escancarado que fala de política, eu tô falando de TODA ARTE. Duvide, e é aí que começa.



S U M Á R I O
1 - Toda arte é política mas…
2- Nem toda política é arte.
3- É política que imita arte e arte que imita política.
4- A Atualidade.
1- Toda arte é política mas…
Em 1964 se iniciou uma ditadura militar no Brasil, e acredito que não exista melhor exemplo político-artístico que a nossa própria brasilidade. A censura, a repressão e as perseguições foram modificadores muito fortes da nossa música, na verdade, dá para se dizer que a censura foi mais um incentivador ao engajamento político nas músicas do que um fator de alarme - Talvez se nem houvesse tanta busca por repreender, menos músicas polêmicas teriam sido criadas, mas quem ia querer ser bonzinho, não é? Se avaliamos as músicas antes do período ditatorial veremos que elas falavam mais sobre o cotidiano, sobre festas, romance e natureza, o fator político direto só se tornou presente quando ele de fato “não deveria” ser.
O cinema, os livros e as músicas foram modificadas por completo. Tudo havia se tornado político, de forma discreta. Pessoas achavam que as músicas falavam de romance, quando na verdade falavam de uma relação impositiva do governo, outras pareciam exaltar o samba, quando na verdade traziam um simbolismo de exclusão social e várias usavam jogos de palavra pra esconder uma mensagem. Aí está a evidência mais óbvia de que até nas coisas mais simples, existe seu apelo político. Apesar de nesse caso isso ser proposital, não tira o fato de que mesmo naquilo sem intenções modificadoras, tem fatores transformadores.
Algo que existe na arte é um pacto entre o autor e o espectador de uma obra, ou seja, existe o que você criou e a informação que é adquirida, no entanto, o autor não tem controle sobre o espectador. Não podemos culpar J.D Salinger pela morte de John Lennon só porque ele escreveu o livro O Apanhador no Campo de Centeio, assim como não podemos culpar nenhum artista pelos efeitos externos que sua obra afeta a “dignidade política” - Se é que existe dignidade.
*Lembrando que isso não quer dizer que o artista não deve se responsabilizar por sua obra. A expressão e o livre arbítrio tem um limite quando fere os direitos humanos. Não estou falando de obras que incitam e incentivam crimes, estou falando daquelas que não incitam mas produzem algum efeito além do esperado, positivo ou não*
Toda arte pode ser política porque toda arte pode ser qualquer coisa. Além disso, ambas as coisas se tratam de grupos ou de toda uma sociedade, uma forma de bem comum, de denúncia ou de difusão de uma ideologia, estimulantes do pensamento crítico ou uma forma de propaganda. Hitler usou cartazes e filmes pra propagar suas ideologias, a união soviética criou filmes que retratavam um trabalhador feliz, Stalin usou o rádio para reforçar uma imagem glorificada, assim como Getúlio Vargas. Mas nestes casos não é que a arte é política, mas que toda política deturpa a arte ao seu objetivo…



A arte não é um espelho para refletir o mundo, mas um martelo para forjá-lo - Vladmir Maiakovski
2- Nem toda política é arte.
Usar de um meio que reflete o interior de um ser humano, que traz alívio ou o transbordar de um sentimento obscuro e reprimido para poder usar de estratégia política não é só muito baixo como muito inteligente. Apesar de eu ter demonstrado como a arte é política, eu sei que a política não é arte, pelo menos não no que ela se tornou.
A forma como eu descrevi “Política” no início do texto é como se eu estivesse tentando descrever uma pessoa desconhecida que é bonita mas com caráter sujo. Romantizada. A política em si tem uma definição e um objetivo bonito, mas como tudo o que envolve o ser humano, tem sua pecaminosidade. Ela se quebra facilmente quando olhamos para a sociedade, uma sociedade desanimada com a justiça e estabelecimento de ordem… e bem, o que mantém todos de pé, então? O que eleva-nos todos os dias? A arte, é claro. E a política sabe que é isso que nos levanta, por isso que ela usa exatamente das mesmas ferramentas.
A rádio, as músicas, as propagandas, os filmes e os livros são todas ferramentas utilizadas até hoje pela política, e agora só se amplifica com as redes sociais. Prefeitos viram meme ou recebem edits, políticos ganham páginas de fãs e uma CPI vira palco online não para revelar o culpado que está sendo interrogado, mas virando as setas para a própria justiça. O bom de ampliar os meios de comunicação é que não existe desculpas para não se manter informado, mas o ruim é que se torna mais fácil de se distrair da informação importante ou diferenciar daquela que é real.
De qualquer maneira meu foco não é falar sobre falta de informação, e sim como a informação pode ser vista como arte, mas estar mascarado com política. De forma mais ampla, política não se trata apenas de lados, de posicionamento ideológicos ou sobre promessas não cumpridas, mas sim sobre nós. Se você se abstém da política, você se abstém de você mesmo. Se você decide parar de estudar, de ler, de entender e de se informar, você não só desiste da política, você fortalece ela.



A mídia pode ser tanto um campo de dominação quanto de libertação, dependendo de como a usamos e consumimos - Shoshana Zuboff
3- É política que imita arte e arte que imita política.
Não quero que você leia o próximo livro e pense “eu estou mudando a sociedade”, mas eu quero na verdade criar consciência de que qualquer coisa que você consuma, artisticamente, você causa uma consciência política e uma nova capacidade de questionamento.
“Ah, mas se eu ler um livro de romance isso significa que é político?” Sim, incrivelmente sim. As obras que falavam sobre sexualidade e sobre liberdade nas relações, desconstrução de papéis - principalmente aquelas que eram feitas por mulheres - eram vistas com maus olhos. Ou seja, até aquilo que se trata de um assunto romântico ou que pareça ser completamente distante da política, é na verdade um transformador do seu pensamento. Além disso, ao ler esse livro você pode tomar consciência de problemas na sua relação amorosa, problemas pessoais com outras pessoas e entender melhor sobre o papel de outras relações, levando até mesmo a tomar decisões que alterem uma única pessoa ou um grupo inteiro, se tornando logo… um ato político.
Talvez não esteja tão claro pra você… mas um dia alguém viu um quadro de uma paisagem e decidiu que queria aquela vida feliz que estava revestida no quadro, e assim escolheu iniciar um movimento contra as injustiças da sociedade, assim como o pintor um dia conquistou uma linda casa em um lugar onde era seu sonho viver, superou dificuldades, saiu de um meio marginalizado e decidiu revestir isso em seu quadro. É política que imita arte e arte que imita política.
4- A atualidade.
27% dos brasileiros leram livros inteiros em um período de três meses, 11,4 milhões de pessoas não sabem ler ou escrever, 40,1% de adultos acima dos 25 anos não completaram o ensino básico e o Brasil é o 2° pior país no ranking de mobilidade social… Se a política é algo que abrange toda a sociedade mas tem sido tão exclusiva com quem dá oportunidade, porque não nos damos a chance de usar nossos privilégios?
Estudar é sim um privilégio, poder ter acesso a informação é sim um privilégio e poder ter consciência disso é sim um privilégio. Sabemos que não deveria, que deveria estar ao alcance de todos. Quando se torna estética ser um “leitor culto” e querer ler em ambiente público se torna uma forma de “aparecer” ou ouvir músicas culturais se torna parte de um grupo seleto, então sabemos que tem algo de errado.